Selecionando alguns filmes para
ver no fim de semana, fui abordada por uma pessoa que me disse: esse eu não
gostei! Tratava-se do filme Vips.
Olhei para capa do DVD, achei enigmática, criativa e não me deixei levar pela
negativa. O filme entraria na lista dos que veria em breve. Só não imaginaria uma
experiência tão instigante.
Vips fala de Marcelo
Nascimento da Rocha, um vigarista que enganou ricos e influentes se fazendo passar
por Henrique Constantino, filho do dono da empresa GOL. Na época do golpe (2001),
Marcelo fez amizades com celebridades, saiu em colunas sociais, pilotou um
helicóptero e um jato particular cedidos por empresários e até deu entrevista
ao apresentador Amaury JR em um camarote no Recifolia . Depois de toda essa
folga, acabou sendo preso.
Enganando Amauri Jr
Antes do trambique carnavalesco,
o “Hipley” brasileiro, também já havia se passado pelo Ex-guitarrista do Engenheiros
do Hawaii, baterista do Nenhum de Nós, repórter da MTV, enganado o exército
brasileiro e americano e todos que atravessaram o seu caminho. Tornou-se um
especialista na arte de ser outro e ludibriar pessoas.
Mariana Caltabiano se interessou pela história de Marcelo e desse interesse resultou: o livro Vips - histórias reais de um mentiroso,além de um documentário com o mesmo nome, também produzido por ela. Mais tarde, um filme
ficcional ,produzido por Fernando Meirelles , dirigido pelo cineasta Toniko Melo
e estrelado por ninguém menos do que Wagner Moura, também pegariam carona nessa
história. Versões de um mesmo personagem , mas abordadas sob perspectivas
diferentes.
Capa do livro
O livro veio primeiro quando
Mariana decidiu pesquisar a vida de um dos maiores golpistas do Brasil. Em
dezembro de 2003 aconteceu o primeiro contato entre os dois. Marcelo, então
com 29 anos, estava preso no Centro de Triagem de Curitiba e Mariana nunca
tinha entrado em uma prisão. Depois de superado o medo, as gravações começariam
no início de 2004. Mas não como o previsto. Mesmo com o contrato assinado,
Marcelo conseguiu enganar Mariana dizendo que Roberto Faria, irmão de Reginaldo
Faria, havia feito uma proposta melhor pela história. Deu-lhe um número de
telefone para que ela confirmasse o que ele dizia, mas só dava caixa postal. Tudo
isso porque queria ser sócio no livro. Depois do objetivo alcançado as
gravações e as entrevistas finalmente começariam.
As 12 horas de entrevistas em áudio
e vídeo serviram para a confecção do livro e também para o documentário. A trajetória
do enganador das mil identidades é contada de uma maneira tão real que chega ser
espantosa. Marcelo não tem pudores ao narrar cada fase de sua vida e cada um de
seus golpes. Não se vê como herói, não se idolatra. Parece mesmo se divertir
sendo o que é, ou talvez com o que não é. No documentário, ele não é o único a
falar. Atores, empresários, policiais, familiares, enfim, várias pessoas
lesadas por ele dão versões de como caíram na sua lábia. Mariana conseguiu mais
12 horas de depoimentos hilários de quem hoje relata com naturalidade ter sido
vítima de Marcelo.
O documentário Vips - histórias reais de um mentiroso nos
faz rir porque os golpes praticados pelo personagem real em questão são tão
audaciosos que parecem ficção. Algumas pessoas podem até pensar que os risos
que brotam facilmente quando vemos o filme, servem para estimular crimes ou a
imitação da prática de atitudes semelhantes às do criminoso. Pelo contrário, Vips nos mostra o quando o ser humano é
fascinado pelo glamour, pelo dinheiro, pelo sobrenome, a tal ponto de esquecer
de enxergar faces. Não importa qual rosto esteja diante dele. O que importa
para muita gente é que benefícios serão extraídos depois de um aperto de mão.
Marcelo disse uma frase fantástica: “Eu mexo com a ambição das pessoas, mas eu
não sou ambicioso não”. Realmente, se fosse não facilitaria sua prisão sabendo
que comeria e dormiria mal podendo viver no luxo.
Trecho do documentário
O Vips ficcional, estrelado por Wagner Moura, me
fez lembrar outro filme fantástico: O Talentoso
Ripley . O papel foi brilhantemente interpretado por Matt Damon, em
1999. Tom Ripley (Matt Damon) é bem
menos esperto que Marcelo já que precisa matar para roubar a identidade de Dickie
(Jude Law). O personagem herdado por Wagner usa apenas de astúcia para aplicar
seus golpes. Em 1999, havia ficado encantada com a atuação de Damon e a história
de Ripley. Em 2012, encantei-me muito pelo roteiro de Vips.
Wagner também é um diferencial.
Abraçou um papel muito bom e fez dele algo ainda melhor. Como toda obra ficcional,
obviamente, é diferente de muitos fatos narrados no documentário de Mariana.
Por isso mesmo é bom! Encontramos a história do Marcelo sendo narrada em meio a
uma fantasia maior e nos sentimos mergulhados em momentos tão fantasiosos
quanto àqueles que nos fazem cair em golpes de vigaristas. Na verdade, demoramos
a perceber o que é real, o que é invenção da cabeça do personagem. Na verdade,
estamos falando de um personagem que gosta de ser o outro. Nada fácil explicar.
Talvez a melhor forma de entender e vendo o filme.
Trailer do filme Vips
Trailer do filme Vips
Embora as histórias do livro,
documentário e filme se misturem e tenham vindo de um mesmo eixo, no Vips
ficcional , Wagner Moura faz questão de dizer que seu trabalho não é biográfico.
O Marcelo do filme é um cara que está procurando se encontrar e, perdido nesse
mundo, vai aprontando em busca de
respostas. A não associação do personagem com o bandido da vida real, e também
por conta de algumas declarações polêmicas do ator, fizeram de Wagner uma
pessoa antipatizada pelo Marcelo real. Em uma de suas entrevistas na prisão ele declarou :
“Garanto que ele teria mais honra de me representar do que interpretar
um capitão da PM que comandava um esquadrão de justiceiros que fazia
julgamentos por conta própria, que executava com pose de herói”.
Assim, Vip’s se desenrola. Um Marcelo
possível de ser visto e analisado é o que vemos. Um outro fica por entender.
Ainda há entrelinhas nesse personagem real que se alimenta dos vícios humanos. Marcelo
não nos ensinou a dar golpes ou a prática de uma vida criminosa. Por mais
incomodo que seja, talvez a maior contribuição de Marcelo seja dizer de fato o
que somos e em quantos valores frágeis nos sustentamos. Vips é instigante é
vale a pena ver.
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