sábado, 7 de janeiro de 2012

Um mentiroso, um sedutor ou apenas a verdade?


Selecionando alguns filmes para ver no fim de semana, fui abordada por uma pessoa que me disse: esse eu não gostei! Tratava-se do filme Vips. Olhei para capa do DVD, achei enigmática, criativa e não me deixei levar pela negativa. O filme entraria na lista dos que veria em breve. Só não imaginaria uma experiência tão instigante.

Vips fala de Marcelo Nascimento da Rocha, um vigarista que enganou ricos e influentes se fazendo passar por Henrique Constantino, filho do dono da empresa GOL. Na época do golpe (2001), Marcelo fez amizades com celebridades, saiu em colunas sociais, pilotou um helicóptero e um jato particular cedidos por empresários e até deu entrevista ao apresentador Amaury JR em um camarote no Recifolia . Depois de toda essa folga, acabou sendo preso.  

Enganando Amauri Jr

Antes do trambique carnavalesco, o “Hipley” brasileiro, também já havia se passado pelo Ex-guitarrista do Engenheiros do Hawaii, baterista do Nenhum de Nós, repórter da MTV, enganado o exército brasileiro e americano e todos que atravessaram o seu caminho. Tornou-se um especialista na arte de ser outro e ludibriar pessoas.

Mariana Caltabiano se interessou pela história de Marcelo e desse interesse resultou: o livro Vips - histórias reais de um mentiroso,além de um documentário com o mesmo nome, também produzido por ela. Mais tarde, um filme ficcional ,produzido por Fernando Meirelles , dirigido pelo cineasta Toniko Melo e estrelado por ninguém menos do que Wagner Moura, também pegariam carona nessa história. Versões de um mesmo personagem , mas abordadas sob perspectivas diferentes.

Capa do livro 
O livro veio primeiro quando Mariana decidiu pesquisar a vida de um dos maiores golpistas do Brasil. Em dezembro de 2003 aconteceu o primeiro contato entre os dois. Marcelo, então com 29 anos, estava preso no Centro de Triagem de Curitiba e Mariana nunca tinha entrado em uma prisão. Depois de superado o medo, as gravações começariam no início de 2004. Mas não como o previsto. Mesmo com o contrato assinado, Marcelo conseguiu enganar Mariana dizendo que Roberto Faria, irmão de Reginaldo Faria, havia feito uma proposta melhor pela história. Deu-lhe um número de telefone para que ela confirmasse o que ele dizia, mas só dava caixa postal. Tudo isso porque queria ser sócio no livro. Depois do objetivo alcançado as gravações e as entrevistas finalmente começariam.

As 12 horas de entrevistas em áudio e vídeo serviram para a confecção do livro e também para o documentário. A trajetória do enganador das mil identidades é contada de uma maneira tão real que chega ser espantosa. Marcelo não tem pudores ao narrar cada fase de sua vida e cada um de seus golpes. Não se vê como herói, não se idolatra. Parece mesmo se divertir sendo o que é, ou talvez com o que não é. No documentário, ele não é o único a falar. Atores, empresários, policiais, familiares, enfim, várias pessoas lesadas por ele dão versões de como caíram na sua lábia. Mariana conseguiu mais 12 horas de depoimentos hilários de quem hoje relata com naturalidade ter sido vítima de Marcelo.

O documentário Vips - histórias reais de um mentiroso nos faz rir porque os golpes praticados pelo personagem real em questão são tão audaciosos que parecem ficção. Algumas pessoas podem até pensar que os risos que brotam facilmente quando vemos o filme, servem para estimular crimes ou a imitação da prática de atitudes semelhantes às do criminoso. Pelo contrário, Vips nos mostra o quando o ser humano é fascinado pelo glamour, pelo dinheiro, pelo sobrenome, a tal ponto de esquecer de enxergar faces. Não importa qual rosto esteja diante dele. O que importa para muita gente é que benefícios serão extraídos depois de um aperto de mão. Marcelo disse uma frase fantástica: “Eu mexo com a ambição das pessoas, mas eu não sou ambicioso não”. Realmente, se fosse não facilitaria sua prisão sabendo que comeria e dormiria mal podendo viver no luxo.

Trecho do documentário 
 O Vips ficcional, estrelado por Wagner Moura, me fez lembrar outro filme fantástico: O Talentoso Ripley . O papel foi brilhantemente interpretado por Matt Damon, em 1999.  Tom Ripley (Matt Damon) é bem menos esperto que Marcelo já que precisa matar para roubar a identidade de Dickie (Jude Law). O personagem herdado por Wagner usa apenas de astúcia para aplicar seus golpes. Em 1999, havia ficado encantada com a atuação de Damon e a história de Ripley. Em 2012, encantei-me muito pelo roteiro de Vips.

Wagner também é um diferencial. Abraçou um papel muito bom e fez dele algo ainda melhor. Como toda obra ficcional, obviamente, é diferente de muitos fatos narrados no documentário de Mariana. Por isso mesmo é bom! Encontramos a história do Marcelo sendo narrada em meio a uma fantasia maior e nos sentimos mergulhados em momentos tão fantasiosos quanto àqueles que nos fazem cair em golpes de vigaristas. Na verdade, demoramos a perceber o que é real, o que é invenção da cabeça do personagem. Na verdade, estamos falando de um personagem que gosta de ser o outro. Nada fácil explicar. Talvez a melhor forma de entender e vendo o filme.


                                                      Trailer do filme Vips 
Embora as histórias do livro, documentário e filme se misturem e tenham vindo de um mesmo eixo, no Vips ficcional , Wagner Moura faz questão de dizer que seu trabalho não é biográfico. O Marcelo do filme é um cara que está procurando se encontrar e, perdido nesse mundo,  vai aprontando em busca de respostas. A não associação do personagem com o bandido da vida real, e também por conta de algumas declarações polêmicas do ator, fizeram de Wagner uma pessoa antipatizada pelo Marcelo real. Em uma de suas entrevistas na prisão ele declarou :

“Garanto que ele teria mais honra de me representar do que interpretar um capitão da PM que comandava um esquadrão de justiceiros que fazia julgamentos por conta própria, que executava com pose de herói”.

Assim, Vip’s se desenrola. Um Marcelo possível de ser visto e analisado é o que vemos. Um outro fica por entender. Ainda há entrelinhas nesse personagem real que se alimenta dos vícios humanos. Marcelo não nos ensinou a dar golpes ou a prática de uma vida criminosa. Por mais incomodo que seja, talvez a maior contribuição de Marcelo seja dizer de fato o que somos e em quantos valores frágeis nos sustentamos. Vips é instigante é vale a pena ver.


 Textos e sempre surpresa com o ser humano... Luciana Rodrigues 

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